terça-feira, 24 de agosto de 2010

Pequeno conto que escrevi e foi publicado no www.portalliteral.com.br

Belle Époque
Um canivete aos poucos perfura a pele fazendo o sangue fluir devagar.
Um pequeno fio.
A lâmina vai aprofundando até chegar ao músculo pulsante cutucando com a ponta afiada e forçando aos poucos ate sentir o macio da carne que a fibra protegia. O peito dói.
Esta era a sensação ao correr porta afora para vislumbrar aquele homem uniformizado com a bolsa pendurada no ombro abarrotada de correspondências. Estava no horário, sempre às duas da tarde. Esperava o grito: - correeeio!
Quantas vezes esta cena se repetiu? Não sei ao certo. Apaixonado estava e ansiava pelas cartas.
O envelope pequeno com cheiro de maçã verde. Sabia que ele tinha transitado por suas
mãos, ela o havia manuseado, cheirado, e com certeza seus lábios o haviam tocado. Minhas mãos tremiam e o ar me faltava. Corri para o quarto sabendo que o mesmo estava a apenas cinco passos de distância mas as pernas pesavam demais; os quinze segundos que levei pareceram horas sem fim mas finalmente cheguei. Bato a porta com força, até mesmo com raiva, talvez por ainda ter que fazê-lo. Quantas coisas que aparecem no intuito de atrasar-me. Enfim, paro ofegante, e aos poucos vou me acalmando, agora eu mesmo prolongo o momento. Olho o envelope, cheiro, beijo, as mãos tremem, atrapalho-me um pouco, leio novamente o nome da remetente. Lembro-me que o havia visto alguns momentos antes quando o “correio” me entregou e pareceu-me que passaram-se séculos desde então.
Hoje dou um “click”, o envelope abre. Não tem mais cheiro.

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